Pesquisadores italianos detalham área - e não
um único ponto - da anatomia feminina que pode aumentar o prazer.
Especialista alerta para os riscos da obrigação do orgasmo e da
repressão sexual que assume novas formas.
O prazer feminino pode ser reduzido
a um único ponto? Desacreditado nas comunidades científicas, mas ainda
presente no imaginário das quatro paredes do mundo ocidental, o ponto G
já foi responsável por frustrações e até mesmo por algumas mentirinhas
entre aqueles que se gabam de tê-lo encontrado.
“Nunca acreditei que a sexualidade feminina pudesse ser reduzida a um ponto”, diz Gerson Pereira Lopes, membro do Comitê de Sexologia da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig) e autor de mais de 15 livros. Ao longo das últimas décadas, no entanto, desde que a existência de um ponto G foi sugerida em 1950, pelo médico alemão Ernst Grafenberg, houve um desfile de “professores do sexo”, consultores de produtos eróticos e também médicos ensinando como alcançá-lo. De seu lado, a ciência se movimentou em torno da controvérsia.
Desacreditado nas comunidades científicas,
mas ainda povoando piadinhas e frequentando o imaginário das quatro
paredes do mundo ocidental, o ponto G já foi responsável por
frustrações e até mesmo por algumas mentirinhas entre aqueles que se
gabam de tê-lo encontrado. Em artigo publicado na última edição da
revista científica Nature Reviews Urology,
pesquisadores italianos descreveram uma área, bem mais complexa que um
único ponto, que seria a responsável por aumentar e concentrar o
prazer sexual feminino.
O grupo de médicos, liderado pelo professor
de endocrinologia e sexologia Emmanuele Jannini A., reforça que a
busca da estimulação com foco em apenas um ponto é prejudicial. A área
descrita no artigo ganhou o nome de CUV – sigla que designa uma junção
das palavras clitóris, uretra e vagina – e foi identificada por meio de
exames de imagem e de marcadores químicos. “Embora não haja uma única
estrutura, consistente com um ponto G, destacamos que a vagina não é um
órgão passivo. É altamente dinâmica, com papel ativo na excitação
sexual. Suas relações anatômicas e interações com o clitóris, o útero e
a uretra definem uma área complexa, multifacetada e morfofuncional
que, quando devidamente estimulada durante a penetração, poderia
induzir respostas orgásticas”, afirma o artigo.
Este não é o primeiro estudo a sugerir que o ponto G não passa de uma lenda, em 2010, o Kings College London não encontrou qualquer evidência da
folclórica região erógena. Um pouco depois, em 2012, urologistas do
hospital universitário de Yale, em Connecticut, também haviam chegado à
conclusão de que “medidas objetivas não conseguiram estabelecer
evidências consistentes de um único ponto anatômico similar ao ponto G.
Muitas mulheres sentem-se culpadas por não encontrarem esse ponto. Na
verdade, a realidade é que ele, evolutivamente, nem mesmo deveria
existir", dizem os pesquisadores.
O professor Jannini afirmou, como conclusão
de seu novo trabalho, que espera “encerrar discussões sobre o Ponto G”
e “ajudar a evitar danos à àrea CUV em cirurgias”.
Imagem ecográfica do complexo CUV,
mostrando o arco duplo formado pelo corpo cavernoso do clitóris e
bulbos. Entre a vagina e o arco duplo, a uretra é visualizada.
Já existem até tratamentos voltado para a
nova “área do prazer”. O médico norte-americano Sam Wood oferece
injeções aplicadas no clitóris e na primeira porção vaginal, prometendo
mais sensibilidade para mulheres que passaram por traumas pélvicos ou
pela menopausa. A aplicação envolve a retirada do sangue da paciente,
com a separação das plaquetas. Elas são reinjetadas e estimulariam o
crescimento de novas células, vasos sanguíneos e colágeno, o que
tornaria a região mais sensível. A ideia é semelhante à de um
controverso procedimento de rejuvenescimento sanguíneo para o rosto,
adotado por celebridades estadunidenses.
Guerra do sexo
“Nunca li qualquer atigo científico que
tivesse sequer levantado a hipótese de que a sexualidade masculina se
resumiria a um único ponto. Para mim, a sugestão da existência de um
ponto G sempre foi uma forma de repressão subliminar à mulher”, provoca
Gerson Pereira Lopes.
O ginecologista, que já atendeu pessoas
impressionadas com os gurus que vão à televisão explicar como encontrar o
ponto mágico, explica: a região da parede anterior superior da vagina,
que pressiona e se aproxima do clitóris, realmente é considerada mais
sensível. “As mulheres relatam essa sensibilidade não é de hoje. Ela é
percebida na masturbação e na própria relação sexual com o outro.
Entretanto, não é aceitável que o prazer sexual e a sexualidade sejam
reduzidos a um ponto, a uma área ou à genitalidade em si”, pondera,
incisivo. “O ponto G só valeu a pena comercialmente”, completa o médico.
Lopes chama a atenção também para o fato de
que, por mais que haja 'gatilhos' do prazer, as travas psicológicas,
culturais e sociais também precisam ser superadas. “Todo o corpo é
erotizado. Até mesmo os pelos que cobrem nossa pele. Antes,
acreditava-se que só o couro cabeludo tinha essa propriedade, mas hoje
já se sabe que vale a pena testar outras possibilidades. Portanto, se
apenas uma área for alvo do toque e da carícia, pela busca obrigatória
do orgasmo, mais difícil será alcançar o prazer”, ensina o sexólogo.
O especialista considera que essa
'obrigação do orgasmo' traz, na verdade, uma ansiedade de performance.
“Esse sentimento está cada vez mais comum entre as mulheres jovens, que
já não se preocupam tanto com o ponto G. Mas elas se preocupam mais com
seus 'deveres' do que com seus 'direitos' nas relações. Não existe 'eu
posso ter orgasmo' e sim 'eu tenho que ter orgasmo'. É uma ditadura,
fruto da imposição das necessidade masculinas na sociedade como um todo,
que resume o prazer a um único momento e à performance mitificada,
inclusive pela mídia”, alerta.
Gerson Lopes acrescenta que, se a
satisfação sexual não pode ser reduzido a um único ponto, também não
pode ser reduzido a alguns segundos. “O orgasmo dura, em média, de seis a
dez segundos, ou seja, um décimo de minuto. Já o prazer é um conjunto
do toques, sensações, falas. Hoje, vemos que as mulheres estão optando
por mentir, assim como já fazia parte dos homens, e contam às amigas que
sentem orgasmos sensacionais, múltiplos, especiais, pirotécnicos. Isso
não passa de uma ignorância – falta de informação – associada à ditadura
da performance”, frisa o ginecologista.
Brincar é importante
A velocidade dos meios de transporte, das
carruagens aos jatos que ultrapassam a velocidade do som, são metáforas
muito comuns para exemplificar como a noção de tempo mudou e como o
ritmo frenético implantou-se na vida cotidiana. Faltam tempo e espaço
para desacelerar – no lazer, na saúde, no prazer. "O turista fotografa
exaustivamente os lugares visitados, para ver depois. Não há tempo para
viver a experiência. Também no sexo, vale mais o resultado do que o
processo. A travessia é desprezada. A cultura da rapidez e do
imediatismo engoliu o brincar. Quando meu foco está no 'fim', deixo de
enxergar o processo. E deveria ser o contrário: a travessia é o que
importa; o resto é consequência”, destaca Gerson Lopes.
Para o especialista, sexo não é para ser
medido e comparado como se fosse um produto igual a qualquer outro, com
características padronizadas. Por isso, é preciso muito cuidado e
reflexão antes de se recorrer a uma intervenção cirúrgica ou a
medicamentos que prometem 'melhorar' a performance. “Um paciente que
chega ao consultório depois de ter recorrido a várias medidas
artificiais e ouviu promessas miraculosas que não deram certo demanda
mais tempo para evoluir. A pessoa já chega desacreditada. Temos que,
sempre que possível, 'baixar a bola' dessa ditadura do orgasmo, da
estética, das relações perfeitas, do desempenho”, conclui o
ginecologista.
Fonte: Saúde Plena / Letícia Orlandi
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